Nozolino, da série "Bone lonely", 2009
A galeria Quadrado Azul apresenta as obras fotográficas de Paulo Nozolino, que já não expunha individualmente na capital há aproximadamente 8 anos. Este regresso é acompanhado da publicação de um livro com poemas de Rui Baião, uma edição da editora alemã Steidl.
As fotografias expostas no “bone lonely” são o relato das várias viagens que ele efectuou ao longo dos anos.
«Quando ceguei decidi ser fotógrafo.
O que me levou a tomar esta decisão foi (após prolongado período de escuridão absoluta) a quantidade de imagens surgidas no meu espírito.
Primeiro, desfocadas, sem contornos nem volume; depois, a pouco e pouco, os elementos que as compunham definiram-se, tornaram-se reconhecíveis.
Pude ver, enfim, o que o meu espírito criara; e nenhuma das imagens (pelo menos que me lembrasse) se parecia com as que, porventura, vira antes de cegar.
Resolvi pedir auxílio a C. - descrevia-lhe com minúcia o que pretendia fotografar.
Se era uma paisagem, por exemplo, pedia-lhe que me encontrasse uma, em tudo semelhante àquela por mim descrita.
C. passou a ser o meu olhar.
Mas C., não podia ver a minha paisagem, e eu jamais saberia se a fotografia era igual, ou parecida, à que desejara fotografar. E, se por acaso, descrevesse a mesma paisagem a B. (e não a C.) pedindo-lhe para, em seguida, me descrever a que via impressa no papel, apercebia-me de que não coincidiam em quase nada.
As paisagens de C. eram, sempre, diferentes das minhas. B. confirmava o que eu já suspeitava.
Apesar de tudo, continuei a trabalhar. Viajava na companhia de C. - íamos à procura dos lugares e das coisas que eu queria fotografar.
Dessa época, uma das fotografias (talvez a minha preferida) era de um grande rigor e simplicidade. uma estrada sumia-se na curva do horizonte, e a linha branca da estrada terminava num ponto situado no centro da folha.
Embora C. me dissesse que, numa das bermas da estrada havia uma árvore. Não me recordo se lhe tinha falado numa estrada com uma árvore. É pouco provável.
Mas nada disto tem grande importância. A verdade é que eu não podia ver se havia ou não uma árvore na fotografia. E C. também não podia confirmar a existência duma árvore dentro da minha cabeça.
Certo dia pedi a C. que me indicasse como fotografar areia. Grandes extensões, de areia ou de água, de céu vazio.
B., ao ver uma fotografia dessa série, disse: - Não está aqui quase nada. Algumas sombras, um pouco de luz e formas indefinidas.
Soube, nesse instante, que tudo começara a não coincidir - e - dentro e fora de mim.
Nunca mais precisei de C., nem de B. - desatei a fotografar sem ajuda. Escolhia o que desejava fotografar pelo tacto e pelo olfacto. Apontava a objectiva para o céu, para a água ou para as areias - disparava com a certeza de que as imagens que não via coincidiam com as que via. Assim, ao fim de algum tempo, o que estava fora de mim passou a ser igual ao que estava dentro de mim - Luz e Sombra.
E foi com Luz e Sombra que iniciei, no papel, a construção da minha biografia.»
"Deserto" - Al Berto (Dedicado a Paulo Nozolino)
O Anjo Mudo, Contexto, 1993.bone lonely, de Paulo Nozolino
Galeria Quadrado Azul
Largo dos Stephens, 4, Lisboa
Até 21 de Fevereiro
"Vivemos num mundo sujo"
Entrevista de Óscar Faria no Ípsilon a Paulo Nozolino